Desde o início do ano a discussão sobre os preços dos combustíveis tomaram conta do debate público. Os sucessivos aumentos nos preços, interrompido só no final do mês de março, geraram indignação na população. Em resposta a isto, sindicatos de petroleiros – como o caso do Sindipetro-SJC e outros sindicatos da FNP – passaram a fazer campanha por um “preço justo” a ser cobrado da população. Afinal de contas, estamos falando de uma empresa estatal, formada com muita poupança pública desde a década de 1950, com a finalidade de nos dar soberania energética – e nunca mais nossa economia sofrer, ao menos neste aspecto, com as crises internacionais de abastecimento.
No entanto, esta campanha pode criar certa apreensão em uma parcela dos petroleiros, afinal de contas são diminuições consideráveis dos preços de três das suas principais mercadorias vendidas por ela. Uma empresa independente, para sobreviver, tem que arrecadar mais do que gasta, apesar de isto nem sempre ser a regra. Mas deixemos o tema das estatais dependentes para outro momento. Esta diminuição de receitas não seria um ataque indireto à categoria, que poderia ver nisto ameaça ao pagamento dos seus salários e de outros direitos contidos no ACT?
Neste texto farei uma exploração sobre os possíveis efeitos financeiros na Petrobrás caso adotássemos o que estamos chamando de “Preço justo”. Quanto que perderíamos de receita? Isto seria o suficiente para prejudicar a empresa?
Façamos um exercício. Consideremos o preço justo dos três seguintes produtos derivados para o ano de 2021: gasolina a R$ 3,60; diesel a R$ 2,90 e GLP a R$ 60. São valores bem mais baixos do que costumamos ver por aí. A título de comparação, pagamos – em média mensal e em valores de dezembro de 2020 – de janeiro de 2013 a março de 2020, R$ 4,45 pela gasolina, R$ 3,78 pelo diesel e R$ 67,70 pelo gás de cozinha. Agora vamos ver o que teria ocorrido com o resultado financeiro da Petrobrás se tivéssemos adotado estes preços (em termos reais) para os anos de 2020 e 2019.
Para manter em termos reais, descontamos as inflações de fevereiro de 2021 e de fevereiro de 2020, para gerar valores reais para os anos de 2020 e 2019. Logo, para o ano de 2020 este mesmo preço justo teria sido de R$ 3,38 (gasolina), R$ 2,72 (diesel) e R$ 56,27 (GLP); já no ano de 2019 estes valores seriam de R$ 3,24 (gasolina), R$ 2,61 (diesel) e R$ 54,06 (GLP).
A campanha de preço justo trata apenas de três derivados, deixando de fora querosene de aviação, nafta, óleo combustível e outros derivados, exportações (tanto de óleo cru quanto de derivados), gás natural, energia elétrica e todas as outras atividades da empresa. Então é importante anunciar ao leitor que estamos falando apenas de cerca de 44% das receitas de vendas da estatal. Ou seja, o impacto é apenas parcial.
Dito isto, vejamos o que teria ocorrido caso as receitas destes derivados diminuíssem na mesma proporção da queda dos seus preços. Em 2020, a estatal arrecadou R$ 120,4 bilhões com venda destes três derivados. Fazendo o cálculo a partir da diferença entre o preço médio efetivo (que consideramos R$ 4,28 para a gasolina, R$ 3,51 para o diesel e R$ 70,74 para o GLP) e a receita que teria a partir da cobrança do preço justo daquele ano, teríamos tido uma diminuição de 9,7% das receitas totais da empresa – ou R$ 26,3 bilhões. Isto em termos estáticos, sem considerar que haveria um aumento da demanda caso os preços diminuíssem (mas uma variação da demanda limitada, já que são bens com uma menor elasticidade-preço). Fazendo o mesmo cálculo para o ano de 2019, teríamos uma diminuição de 13,2% das receitas totais de vendas da empresa – ou R$ 39,79 bilhões a menos. A título de comparação, o valor de 2020 equivale a 45% das receitas que a empresa conseguiu naquele ano com exportação de óleo cru. Ou 256% do que a Petrobrás deverá pagar em dividendos para seus acionistas neste ano.
Também teríamos uma diminuição de custos tributários com a diminuição dos preços, dado que os impostos e contribuições no Brasil são basicamente proporcionais aos preços dos bens e serviços vendidos por uma empresa. Para o ano de 2019 (2020 houve créditos tributários decorrente de um acordo da estatal com o governo, o que nos dificulta a comparação), provavelmente a empresa pagaria quase R$ 2,5 bilhões a menos com tributos por conta disto.
Agora que já sabemos a perda de receita com a política de “Preço justo”, vejamos o quanto isto impactaria no lucro da empresa. O primeiro passo é eliminar três fatores contábeis e fiscal dos resultados da empresa de 2020 e de 2019. Falo do impairment, das variações monetárias e cambiais, líquidas (ambas variáveis contábeis) e do crédito tributária pela mudança da atualização monetária do PIS/Cofins, o qual excluiu o ICMS da base de cálculo. Os dois primeiros excluímos porque são mudanças nos valores dos ativos que, por norma, tem que impactar no resultado financeiro – apesar de não ter uma vinculação específica com a atividade daquele ano. Inclusive, os impairments de 2019 e 2020 são totalmente reversíveis, já que sendo o preço do brent o principal motivo, o valor do barril já superou de longe as perspectivas de estagnação do preço, e já se encontra em mais de US$ 64. Já o terceiro fator, o crédito tributário que fez inflar o lucro da empresa de 2020, também o excluímos, substituindo-o pela média do que foi pago em imposto de renda e contribuição social dos anos de 2017, 2018 e 2019. Feito isto, o lucro líquido da empresa ficou em R$ 64,45 bilhões em 2019 e R$ 54,9 bilhões em 2020. Com o impacto da diminuição das receitas com o preço justo (e a diminuição dos custos tributários com preços mais baixos), teríamos então lucros líquidos de R$ 42,19 bilhões em 2019 e de R$ 27,9 bilhões em 2020. Uma massa de lucro ainda bastante elevada.
Existe um custo para a empresa praticar o que chamamos de “preço justo”? Existiria um “custo de oportunidade” – deixaria de ganhar. Mas não estamos propondo que a empresa cobre preços abaixo dos seus custos (não que isto não possa ocorrer em determinados momentos para uma empresa estatal). No entanto, estamos propondo que ela lucre menos. Podendo ter compensações como a inversão da atual política de aumento irresponsável de dividendos – o que compensaria parte da subtração de receitas. Afinal de contas, uma empresa estatal tem que servir a quem a construiu, a quem a financiou. Ela tem responsabilidade pela economia nacional, diferente de agentes privados que buscam exclusivamente o seu próprio bem-estar, a sua própria riqueza. A Petrobrás foi responsável por alguns dos maiores avanços tecnológicos na área de extração de petróleo da história mundial, e chegou a hora do povo brasileiro se beneficiar disto, se beneficiar do Pré-sal. Não só das suas vastas reservas, mas também do seu baixíssimo custo de extração. É possível termos preços justos, e é possível fazermos isto sem prejudicar a Petrobrás.
*Eric Gil Dantas é economista do Ibeps e doutor em Ciência Política
Fonte: Sindipetro-SJC