Durante seminário realizado na noite de quarta-feira no IFICS, no Rio, todos os debatedores se pronunciaram fortemente contra o fatiamento da Petrobrás, cujo principal propósito é efetivar a privatização parcelada da empresa mesmo com a consequência de promover monopólios privados sem regulamentação
Por J. Carlos de Assis*
Participaram do evento, como palestrantes, a professora Vera Salim, representante da Reitoria da UFRJ; o professor da UFRJ Daniel Conceição; o presidente do Clube de Engenharia, Pedro Celestino; o especialista em petróleo, vice-presidente da AEPET, Fernando Siqueira; e o professor José Carlos de Assis.
Os resultados do Seminário foram resumidos num texto que estava sendo encaminhado, ontem, a todos os senadores, com um apelo para que considerem as trágicas consequências para a Petrobrás da venda de ativos segundo o Plano de Negócios proposto pela atual diretoria, e que está sendo classificado como ?privatização fatiada?. Uma comissão formada por professores e estudantes da UFRJ e da UNB fez o encaminhamento, esclarecendo, a partir de sua própria constituição, segundo Assis, ?seu caráter suprapartidário, supra-ideológico e supracorporativo?. Eis abaixo o texto com o resumo do evento.
O evento no Rio foi o primeiro de uma série a ser realizada dentro do I Ciclo de Seminários Universitários-Trabalhistas para a Retomada do Desenvolvimento, promovido pelo Movimento Brasil Agora, e a ser levado a todas as capitais. A ideia é acompanhar a pauta do Congresso Nacional, com foco no Senado. Os próximos seminários serão em Brasília, sobre a PEC-241 (agora PEC-55); em São Paulo, sobre a chamada reforma da Previdência; em Belo Horizonte, sobre a reforma trabalhista; em Curitiba, sobre o projeto dos dez pontos contra a corrupção apresentados pelo Ministério Público. Seguem-se João Pessoa, Recife, Salvador e Porto Alegre, este ano. No próximo os seminários serão levados aos outros Estados.
Síntese do Seminário sobre a privatização fatiada da Petrobrás
IFICS/UFRJ, em 26/10/2016
1) Endividamento
A Petrobrás não precisa de vender ativos operacionais para reduzir seu nível atual de endividamento, já que esse nível de endividamento, considerando padrões técnicos objetivos, é baixo em relação ao patrimônio realizável da empresa a curto prazo. Pretende-se, com um plano de negócios equivocado, e mediante venda de ativos operacionais, trazer a alavancagem ? relação dívida líquida/geração de caixa após dividendos – do índice de 4,5 para 2,5 até 2018.
Estamos diante de dois equívocos. Alavancagem é um indicador financeiro que não se presta a uma avaliação de empresa com o porte da Petrobrás, tendo em vista suas imensas reservas de petróleo e as virtualidades de sua integração produtiva e comercial. De fato, a Petrobrás tem reservas comprovadas de 60 bilhões de barris de petróleo (além de outros muitos bilhões em perspectiva no pré-sal), equivalentes a US$ 2,4 trilhões a preços de hoje.
O segundo equívoco é o objetivo, em si, de reduzir a alavancagem em ritmo acelerado. De fato, se essa redução fosse algo necessário e plausível, sem objetivos paralelos de privatização fatiada da empresa, seria perfeitamente possível, sem venda de um único ativo, reduzir a alavancagem de 4,5 para 3,1 em 2018 (ver anexo). Além disso, a amortização anual da dívida, com recursos de parte da geração de caixa, resultaria na redução da alavancagem para 2,5 em meados de 2021.
2) Financiamento
A justificação da privatização fatiada da Petrobrás seria, pois, seu alto endividamento. Isso é falso, dado o patrimônio e as excelentes condições operacionais da empresa para transformar reservas em petróleo, detentora que é de vários títulos mundiais em tecnologia em exploração de bacias petrolíferas profundas . Por isso ela é perfeitamente financiável. No auge da crise que sofreu em 2014/15, quando bancos ocidentais tentaram chantageá-la, a Petrobrás teve acesso imediato ao mercado financeiro asiático, em condições perfeitamente razoáveis.
Independentemente de fórmulas clássicas de financiamento, há diferentes fórmulas para evitar o fatiamento da Petrobrás e recuperar seu nível de investimento, em escala desejável, que não pode ser menor que os níveis de 2014 dada a importância estratégica da empresa para o resgate da economia nacional da depressão. Assim, ela pode ser financiada pelo Tesouro mediante aporte de recursos ao BNDES. Isso de fato se fez para o conjunto da economia em 2009/10, com excelentes resultados (expansão de 7,5% do PIB em 2010).
Entretanto, há uma fórmula mais simples, apresentada por um ex-diretor da Petrobrás e do Banco Central com destacada experiência no mundo financeiro: o Tesouro repassaria volume suficiente de reservas internacionais a uma agência do Banco do Brasil no exterior, e essa agência repassaria o financiamento necessário à Petrobrás. O Tesouro ganharia uma taxa de juros maior do que ganha com aplicação em letras do Tesouro americano, o BB ganharia um spread razoável e a Petrobrás se livraria de seus problemas de financiamento. Tudo isso sem violar nenhuma regra da institucionalidade bancária mundial ou de gerenciamento de empresas de economia mista, bem ao gosto retórico dos neoliberais.
3) Privatização fatiada
Em confronto aberto com essas sugestões, todas mantendo íntegra a Petrobrás e sua capacidade de investimento, a atual direção da empresa decidiu simplesmente desintegrá-la, com a consequência inevitável de transformar uma das maiores petrolíferas integradas do mundo numa empresa desestruturada em sua cadeia produtiva, e cercada por alguns monopólios e oligopólios privados, cuja privatização sequer está seguindo a regra de uma prévia regulação do mercado. Na realidade, a única racionalidade do plano é a privatização.
Assim, o grupo no comando da Petrobrás está promovendo vendas sem ampla concorrência, com ativos depreciados, de forma não muito diferente do que se pretendia fazer também no fim do governo Dilma (Bendine): 1) a Gaspetro foi vendida para a Mitsui (citada na Lava-Jato) por valor irrisório; 2) a BR-Distribuidora foi posta à venda; 3) também está sendo vendida a malha de gasodutos do Nordeste e uma empresa estrangeira, a Brokfield, adquiriu a malha de gasodutos do Sudeste – suprimindo-se um elo estratégico na cadeia empresarial da Petrobrás; 4) foram anunciadas negociações para venda de refinarias à francesa Total; 5) vendas de participações da empresa na petroquímica, nos biocombustíveis e nos fertilizantes, importantes para o controle estratégico desses mercados oligopolizados, estão sendo vendidas. De forma ainda mais escandalosa, o campo de Carcará, comprovado por três poços já perfurados, com uma reserva da ordem de 2 bilhões de barris, foi vendido por valor irrisório.
4) Desintegração
O significado da venda de cada um desses ativos não pode ser avaliado em si mesmo. Cada um deles é um elo numa cadeia complexa de produção e comercialização que permite à empresa integrada um gerenciamento global, compensando custos maiores numa ponta (exploração, prospecção) com custos menores na distribuição (gasolina, diesel e gás). Para uma empresa de economia mista, porém estratégica no campo da energia, como a Petrobrás, isso é fundamental no planejamento inclusive de custos mais acessíveis para o consumidor. Não faz nenhum sentido desintegrar a empresa, mesmo porque isso compromete sua geração de caixa a médio prazo e a capacidade de gerar lucro e dividendos para os acionistas minoritários.
Finalmente, deve-se considerar a importância absolutamente vital da recuperação da capacidade de investimentos da Petrobrás para a economia brasileira. Especialistas consideram que, nos quase 4% de contração da economia no ano passado (e provavelmente mais do que isso neste ano), nada menos que 2 pontos percentuais se devem à inabilidade com que o governo anterior e a Justiça trataram a crise da empresa, derrubando seus investimentos. Ainda agora persiste a incompetência jurídica em não se separarem na condução dos processos empresas prestadoras de serviços à Petrobrás de empresários e executivos, o que bloqueará a retomada da economia também neste e nos anos imediatos.
5) Governança
A sociedade dificilmente aceitará qualquer proposta de regeneração da Petrobrás com apoio governamental caso não haja indicação de uma solução definitiva para seu problema de governança de forma a evitar novos escândalos de corrupção. A empresa, na condição de economia mista, deve ter governança profissional dentro de parâmetros administrativos transparentes. O presidente deve ser escolhido entre executivos brasileiros de alta credibilidade, com a prerrogativa de nomear os diretores. Presidente e diretores, por sua vez, só terão seus mandatos confirmados se ao fim de três meses apresentarem um plano de trabalho, incluindo a própria remuneração, consistente com os objetivos estratégicos da empresa, e aprovado pelo Conselho de Administração. Este último deve ser nomeado pelo controlador entre profissionais de reconhecida capacidade técnica e absoluta ficha limpa, oriundos tanto do setor público quanto do setor privado. Não deverá ser tolerada interferência político-partidária nas nomeações de diretores e do Conselho de Administração.
6) Sugestão final
1.Que seja sustado o plano de privatização da Petrobrás para melhor exame.
2. Que seja constituído um grupo com participação de representantes do governo, de acionistas minoritários da empresa, do Clube de Engenharia, da Aepet e de um especialista independente em crédito da UFRJ para participar da reavaliação do plano de negócios sob o aspecto comercial e estratégico.
*J. Carlos de Assis é coordenador-geral do MBA-Movimento Brasil Agora
Fonte: Sindipetro-RJ