Os rumos da privatização no Brasil

É rudimentar o discurso da privatização, mas, uma prática muito atual que provoca insegurança e demissão de uma massa significativa de pessoas

Por Vanessa Ramos, jornalista da FNP

A submissão econômica brasileira às pressões do capital internacional explica as manobras realizadas atualmente para privatizar a Petrobrás, com apoio maciço dos grandes conglomerados de comunicação brasileiros, no caso internacional, da grande mídia.

Esse rolo compressor neoliberal que passa pelos países com riquezas naturais, além de obstruir o papel do Estado, aumenta exponencialmente a desigualdade social, ao deixar um grande número de trabalhadores sem emprego.

No Brasil, o problema é que, ao longo da história, a privatização foi tomada como uma espécie de ?panaceia milagrosa?, capaz de nos salvar de todo o mal causado pela ?doença do estatismo?, ideia neoliberal propagada como música por Roberto Campos e diversos outros ideólogos do privatismo, devidamente divulgada pela mídia conservadora.

No entanto, foi no primeiro governo FHC que se abriu as portas para a privatização num sentindo amplo, acompanhado da crença neoliberal acerca da falaciosa ?eficiência? do setor privado. A partir disso, aconteceram privatizações no sentido mais destrutivo deste termo.

Em 1997, por exemplo, o Centro da cidade do Rio de Janeiro foi transformado num cenário de guerra. Na época, 600 policiais militares e, de acordo com informações divulgadas na imprensa, aproximadamente cinco mil manifestantes se confrontaram. O motivo era a privatização da Companhia Vale do Rio Doce (CRVD), que terminou com 33 feridos.

As razões que impulsionaram as privatizações foram conjunturais e estruturais. As de natureza conjuntural foram geradas pela grave crise econômica que o Brasil estava passando durante os anos da década de 1980. A privatização era interpretada como um mecanismo positivo

Vale do Rio Doce

A perda provocada pela entrega da Vale aos estrangeiros é incalculável. Não só pelas imensas riquezas minerais como ferro, bauxita, nióbio, alumínio, cobre, carvão, manganês, ouro, urânio e outros, bem como pela estrutura logística que operava em 14 estados do país, englobando 9 mil quilômetros de malha ferroviária, portos, usinas e terminais marítimos.

Durante o XI Congresso Geológico e Mineralógico, realizado em Estocolmo, na Suécia, em 1910, já se falava que as reservas da Vale estavam estimadas em 2 bilhões de toneladas métricas. O lucro da empresa era astronômico. Só em 2007, teve ganhos de R$ 13,4 bilhões, mais de 4 vezes o valor pelo qual foi vendida.

Segundo Clair da Flora Martins, autora de uma das ações populares que questionou o leilão da Companhia, ex-presa política do Regime Militar, ex-vereadora em Curitiba e ex-deputada Federal pelo Paraná, em entrevista para o Instituto Humanitas Unisinos ? IHU, com a venda da Vale, o governo Fernando Henrique fez o Brasil voltar ao período colonial, destruindo o projeto de nação e colocando o Brasil simplesmente como fornecedor de matéria-prima para os chamados países de primeiro mundo. Isso tudo com a ajuda dos partidos de direita, historicamente as mais reacionárias e conservadoras representações políticas do país.

Numa entrevista famosa em 2009, ao portal da revista Veja, FHC justificou a venda da Vale do Rio Doce ? que tinha em Serra o defensor mais entusiasmado – entre outras razões, ao fato de a 2ª maior empresa de minério do mundo ter se reduzido – na sua douta avaliação – a um cabide empregos estatal, 'que não pagava imposto, nem investia'. Discurso semelhante ao utilizado contra a Petrobrás hoje.

Efeitos da privatização

Há 19 anos, em 6 de março de 1997, era publicado em Diário Oficial o edital de venda da então Companhia Vale do Rio Doce S.A. Segundo Laura de Carvalho, pesquisadora no Programa de Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH/UERJ), a preparação para a privatização veio acompanhada de vários tipos de mudanças, não apenas de caráter jurídico-legal da CVRD, mas, sobretudo, na estruturação produtiva. Houve enxugamento da força de trabalho (fato inédito na história da empresa), com dispensa direcionada exatamente aos trabalhadores mais antigos.

De acordo com a Folha de S.Paulo, depois da privatização, a Companhia Vale do Rio Doce reduziu em cerca de um terço seu quadro de pessoal. A empresa tinha 15.142 empregados no mês em que foi privatizada. Em março de 1998, esse número era de 10.466.

Entre 1997 e 1998, a taxa média anual de desemprego aumentou consideravelmente. Veja o gráfico.

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Fonte: Brasil ? Fatos e Dados

A privatização da Vale foi realizada no final do primeiro mandato de FHC (1994-1997). No início do segundo mandato (1998-2002), a taxa de desemprego media já era a maior da história, marcando 12,2.

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Fonte: Brasil ? Fatos e Dados

Nesse sentido, pode-se concluir que privatização tem contribuído para uma série de inseguranças no mercado de trabalho, no emprego e nas relações de trabalho. Para Laura a desestatização da empresa ainda acirra conflitos trabalhistas.

Movimento sindical

Em 2013, Laura fez uma pesquisa, intitulada Análise da ação dos sindicatos dos trabalhadores da mineradora Vale S.A. Na Região Sudeste brasileira, em que constatou que o período de preparo para a privatização foi caracterizado pela diminuição dos direitos dos trabalhadores da empresa. ?Essa era uma das estratégias visando permitir que a empresa fosse privatizada sem gerar grandes prejuízos para os compradores?, afirmou.

Segundo os dados levantados com os dirigentes sindicais do Sindimina/RJ, em 1990, os benefícios começaram a diminuir e, através de acordos coletivos, a Vale passou a ?comprar? os benefícios, como o reembolso educacional.

Na época da privatização, três sindicatos eram referência: Sindimina (RJ), Metabase Inconfidentes (MG) e Metabase Itabira (MG). Na pesquisa de Laura, em 2007, já existiam cerca de 52 sindicatos, que representavam a diversidade de categorias profissionais verificadas na empresa: mineiros, ferroviários, engenheiros, administrativos, técnicos, dentre outros.

Segundo a pesquisadora, parte desses sindicatos pertenciam a uma das tendências: CUTVALE, Renovação, União & Lutas e a diversas centrais sindicais. Os sindicatos tidos como ?Independentes? atuavam organizadamente, não sendo filiados a uma central sindical. Entre os chamados Independentes estavam: a base dos Ferroviários do Espírito Santo e o Sindicato dos trabalhadores mineiros de Carajás, no Pará, que agregava trabalhadores na extração de cobre, ouro e zinco.

O artigo escrito por Laura informa ainda que as assembleias, na década de 90, eram forçadas e existia coação para que as propostas fossem aceitas. Assim, durante as negociações coletivas a empresa começou a indenizar benefícios retirados (tais como adicional por tempo de serviço, férias-prêmio e bolsa de estudos dos dependentes dos trabalhadores) e a arrochar os salários. As reivindicações mais negociadas, no período que antecedeu a privatização, foram o reajuste salarial e manutenção de conquistas sociais. O Metabase Itabira ajuizou um dissídio coletivo em 1988 quando recuperaram diferença de reajuste do Plano Bresser (plano econômico de 1987).

As demissões promovidas pela empresa no período que antecedeu a privatização eram praticadas através de planos de incentivo ao desligamento para os trabalhadores aposentáveis, projeto muito similar ao PIDV da Petrobrás.

Em seu texto, Laura diz que o sindicato, frente a estas demissões em massa, participou de manifestações no Congresso Nacional pela reintegração dos demitidos. Esse movimento, que envolveu entidades sindicais de todo o país, resultou na Lei da Anistia promulgada no final do governo do presidente Itamar Franco.

A pesquisadora constata que na crise de 2008-9, a Vale chegou a demitir em todo o país cerca de 3.000 trabalhadores, sendo em Itabira, mais de 1.000 terceirizados. Frente a esse quadro, o sindicato criou na cidade a ?Frente em Defesa do Emprego e das Cidades Mineradoras? conjugando sindicatos, entidades populares, igrejas, prefeitura, vereadores, etc. e realizando no dia 9 de janeiro de 2010 um Ato Público que levou milhares de pessoas às ruas para se manifestar contra as demissões.

?A partir 2009, os acordos têm sido bianuais e nunca deixaram de ocorrer. Os resultados não são os esperados e as reivindicações são por melhores salários e participação nos resultados e lucros?, contou ela.

Por último, a relação do Metabase/Inconfidentes com a empresa privatizada, segundo Laura, não é positiva. Ela afirma que, de acordo com os dirigentes, após a privatização, a Vale deixou de repassar a mensalidade dos sócios do sindicato e não sentou com o sindicato para negociação de acordo coletivo, sendo que essa atitude demorou quase dois anos para ser resolvida. E só foi resolvida por pressão de parte do movimento sindical do setor e, principalmente, de outros setores. Ainda afirma que a empresa busca ?comprar? dirigentes sindicais para esfacelar o movimento sindical, e que por isso hoje não existe organização a nível nacional.

Se bem repararmos, a história se repete. Estamos diante de um golpe contra a Petrobrás, em que a metodologia é a mesma: desqualificar a empresa; enxugar o quadro de trabalhadores; tudo baseado no tema moralista do combate à corrupção. A narrativa é antiga, satanizam a empresa para entregá-la aos estrangeiros.  Não podemos jamais aceitar que isso se repita com a Petrobrás.

 

 

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