No dia 16 de abril, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, supreendeu a Espanha e a União Europeia ao enviar para o Congresso um projeto de lei que expropria 51% da petroleira YPF, antiga estatal de energia que foi privatizada em 1999 e agora pertence ao grupo espanhol Repsol. Kirchner evocou a soberania nacional para fundamentar a decisão, acusando a Repsol de não investir na produção de petróleo e gás, o que obrigou a Argentina a aumentar a importação de combustível.
Com a mudança, 51% da YPF será de utilidade pública enquanto 49% se tornará responsabilidade das províncias (Estados) onde a empresa atua. O governo federal ficará com 26,06% e as regiões produtoras, com 24,99%. A YPF, a partir de agora, será administrada por autoridades locais antes mesmo da aprovação dos parlamentares argentinos. Uma das principais críticas feitas por Kirchner à Repsol é que a companhia “reduziu em 30%-35% sua produção de petróleo nos últimos anos e mais de 40% a de gás”, o que forçou a Argentina a aumentar em mais de US$ 9 bilhões as importações de hidrocarbonetos.
A Repsol rejeita o argumento oficial e garante que, ainda este ano, deve investir 15 bilhões de pesos (cerca de US$ 3,4 bilhões) no país.
Poucas horas após o anúncio de Kirchner, uma discussão entre governistas, opositores, empresários e consultores energéticos tomou forma. No debate, especialistas e parlamentares citaram o Brasil várias vezes como o “exemplo energético” que deveria ser copiado pela Argentina, como já havia sugerido a presidente anteriormente.
Para o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, não há nada a ser temido em relação à atuação da Petrobrás na Argentina, onde a companhia possui 79 postos de combustível e explora petróleo. “Nós prosseguiremos dentro da normalidade. (…) Eu não tenho nenhum temor, não vejo nenhuma motivação especial para isso [problemas com a Petrobras], mas se esta for uma política especial da Argentina também não temos nada a reclamar”, opinou.
A mesma opinião não foi compartilhada pelo governo espanhol, que chegou a anunciar a possibilidade de represálias, e pelos Estados Unidos. Como discurso padrão, ?especialistas?, mídia e figuras políticas têm afirmado que a decisão do governo argentino é um grande erro e coloca em risco a segurança jurídica nas futuras relações comerciais com o país.
Medida necessária e urgente…
Os números e dados apresentados pelo governo argentino mostram que a nacionalização da YPF é uma medida necessária. Mais ainda, urgente. A Repsol vinha reduzindo os investimentos no país, com queda consequente na produção de petróleo (era 42% da produção petroleira em 1997, caindo para 34% em 2011) e nas reservas (queda de 50%). Enquanto as remessas de lucro se ampliavam para a companhia espanhola, a Argentina, pela primeira vez em 17 anos, apresentou um déficit comercial em combustíveis de três bilhões de dólares.
Porém, limitada
Usando inclusive o Brasil de exemplo, como citado acima, a Argentina deu um importante passo para diminuir a interferência de multinacionais parasitas em um setor estratégico da sua economia. Entretanto, como no Brasil, tal medida é limitada, uma vez que a nacionalização em curso não é integral. É a transformação da YPF em empresa mista, com a manutenção do grupo Repsol (espanhol, dono atual da empresa) como acionista.
Se considerássemos essa medida suficiente, imediatamente deveríamos abandonar uma bandeira fundamental dos movimentos sociais do país e organizações de classe, dentre elas a FNP: O fim dos leilões, com o resgate do monopólio estatal do petróleo e o retorno da Petrobrás 100% Estatal e Pública.
A decisão tomada por Cristina Kirchner não pode ser observada como uma prova de nacionalismo e defesa genuína das riquezas do país. Além de ser motivada em grande parte por uma queda de sua popularidade, a expropriação de parte da Repsol não apaga o passado recente de Kirchner, que nada fez para barrar a privatização da companhia durante o governo de Carlos Menen, filiado no mesmo partido de Cristina.
Por isso, assim como no Brasil, devemos defender a expropriação sem indenizações da Repsol e combater qualquer tentativa de retaliação dos governos europeus e dos EUA contra a Argentina. A nacionalização da YPF é uma questão de soberania nacional.