Nós não somos “colaboradores”

Na reunião da CIPA na última terça, 8, a direção do Sindicato e os cipistas eleitos alertaram os prepostos da empresa de que o frequente uso da palavra “colaborador” para caracterizar os empregados próprios e terceirizados.

Trata-se de uma distorção da realidade de viés profundamente ideológico que cria uma “cortina de fumaça” sobre as relações de trabalho existentes no mundo atual. A reação foi a pior possível. O presidente da CIPA e o gerente setorial que estavam presentes ironizaram a observação, o que pode ser reflexo de um profundo desconhecimento sobre o tema.s prepostos da empresa, cabe aqui lançar alguma luz sobre a questão para auxiliar a força de trabalho e as “lideranças” da empresa sobre o que está por trás desse truque semântico do capital.

O termo “colaborador” começa a substituir os termos “operário/empregado” principalmente a partir da década de 70 do século XX. É uma substituição aparentemente ingênua que, envernizada por discursos de motivação e meritocracia, tem como objetivo encobrir a lógica perversa de exploração da força de trabalho no regime capitalista.

Lançando um olhar sobre a história, cabe constatar que uma vez instalada no poder (1820 a 1840), a burguesia abre mão de seus ideais emancipacionistas e passa a defender uma posição conservadora, em prol do regime que estabeleceu. O “inimigo” deixa de ser a nobreza e passa a ser a classe trabalhadora. A organização e conscientização da massa proletária passa a ser a ameaça ao novo modo de produção: o capitalismo.

Se no escravismo e no feudalismo (para o escravo e o servo da gleba) as relações de exploração estavam escancaradas, no modo de produção capitalista, desenvolve-se a lógica do trabalhado assalariado, que difunde a falsa ideia de que os trabalhadores obtêm por meio do salário a remuneração integral por aquilo que produzem e de que essa é uma relação de “liberdade plena”.

Num tempo (a partir da década de 70 do século XX) em que o fortalecimento das ideias neoliberais e o avanço do processo de globalização apontam para a desregulamentação das relações de trabalho e dos direitos da classe trabalhadora, existe um esforço enorme sendo feito para esconder as contradições entre as classes, o embate entre capital x trabalho, o processo histórico-dialético que coloca a história em movimento e a verdade de que todos os direitos conquistados pela classe trabalhadora foram obtidos com organização e mobilização coletivas, e não com “colaboração”.

É nesse contexto que está inserida a substituição dos termos operário/empregado/funcionário na comunicação organizacional por colaborador. É uma (entre tantas) iniciativas que buscam neutralizar as lutas operárias. Estabelece-se uma falsa relação ganha-ganha, o trabalhador aparece como empreendedor. A empresa se livra da relação empregado/empregador, ou seja, sinaliza igualdade onde existe uma relação de desigualdade.

Consegue-se distorcer a realidade a partir desse truque aparentemente inofensivo. Na dimensão jurídica, fica fácil de perceber, já que a CLT no seu artigo 3° denomina como empregado a pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a um empregador sob a dependência deste e mediante salário. E nas relações sociais, com o emprego do termo “colaborador”, cria-se uma “cortina de fumaça” que esconde a questão da venda da força de trabalho x apropriação do lucro e a exploração dessa força de trabalho no processo de produção capitalista.

Emprego e associativismo ou colaboração são conceitos diferentes.  O uso do termo colaborador enfraquece a relação de classe, procura afastar os trabalhadores de seus sindicatos e de suas entidades classistas por meio do preconceito e da recriminação. Com isso, as empresas se fortalecem nas negociações coletivas e fica cada vez mais difícil organizar a luta da classe trabalhadora em defesa de nossos direitos.

Quando a Petrobrás assume essa prática em seus documentos internos, ela tem como intenção precarizar as condições de trabalho e as relações de emprego no âmbito da companhia, bem como enfraquecer a unidade classista na luta em defesa dos nossos direitos. É uma tarefa árdua, mas é necessário alertar a todos dos efeitos nocivos dessa substituição, que não tem nada de inofensiva.

 

* Rafael Padro é vice-presidente do Sindicato dos Petroleiros de São José dos Campos e região, além de diretor da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP).

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