O que está por trás de tanta pressa de Temer?

O governo Michel Temer (PMDB-SP) escolheu a data a dedo. Em 1º de novembro, na calada do feriado prolongado de Finados, o usurpador desferiu um golpe mortal nas empresas estatais federais.

Baixou o decreto nº 9188/2017, publicado no Diário Oficial da União de 3 de novembro, que facilita a venda, sem licitação, de empresas estatais mistas  a grupos estrangeiros.

Leia-se: Petrobrás, Eletrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, entre outras empresas. Mas os alvos prioritários são as duas primeiras.

“O objetivo principal do decreto é regulamentar o Programa de Desinvestimento, da Petrobrás, através do qual o seu presidente, Pedro Parente, está depredando a empresa, entregando seus ativos mais valiosos a investidores estrangeiros”, afirma o advogado Carlos Eduardo Reis Cleto.

Para Cleto, as práticas empregadas por Parente são tão absurdas, que o decreto 9.188/2017 chega a ser moralizador.

“O governo decidiu sacrificar os anéis — os ganhos corruptos obtidos com as negociatas — para salvar os dedos — a entrega do patrimônio da Petrobrás e Eletrobras — aos estrangeiros”, observa.

“Na prática, no caso da Petrobrás, tenta-se dar um verniz de legalidade às vendas de subsidiárias e campos de pré-sal, para eliminar os questionamentos judiciais que estão sendo feitos”, atenta.

Carlos Eduardo Reis Cleto é advogado especialista em Direito Previdenciário, atuando para sindicatos de trabalhadores da base da Vale, em todo o País.

Segue a íntegra da entrevista.

Os deputados petistas Wadih Damous (RJ), Décio Lima (SC), Carlos Zarattini (SP), Henrique Fontana (RS) e Afonso Florence (BA) apresentaram projeto de decreto legislativo para sustar a aplicação do decreto nº 9.188, de 1º de novembro de 2017. É possível?

Carlos Cleto – O Wadih foi o primeiro a fazer essa proposta. Eu li aqui no Viomundo a entrevista dele. Admiro-o muito, é excelente advogado, mas a proposta de projeto de decreto legislativo não resolve o problema.A razão é simples: essa “belíssima” Câmara de Deputados que temos não vai aprovar nenhum decreto contra Michel Temer!

O que pode ser feito?

 Carlos Cleto – Entrar com uma ADPF — Arguição de descumprimento de preceito fundamental — no Supremo Tribunal Federal (STF).

A barbaridade jurídica do decreto 9.188 é tão grande que nem precisa uma ADPF muito longa.

Qualquer partido político que tenha compromisso com a defesa do patrimônio do Brasil pode protocolá-la no Supremo.

Temer usurpou poderes do Congresso Nacional ao parir algo que é uma lei em tudo, exceto no nome.

 O decreto do Temer é, na verdade, uma lei e como tal não é prerrogativa da Presidência da República mas do Congresso Nacional?

Carlos Cleto — Exatamente. Leis são as normas jurídicas que regem a vida em sociedade.

Apenas o Congresso Nacional pode aprovar leis. O presidente apenas tem o poder de expedir decretos para regulamentar a execução das leis, nos termos do inciso IV do Artigo 84 da Constituição Federal, “IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”.

Nesse caso, ele não está regulamentando lei alguma, está criando uma norma jurídica com forma e força de lei.

E o Temer, como notável constitucionalista que é, sabe muito bem disso.

Aliás, essa matéria foi bem explicada por ele mesmo, Michel Elias Temer, em seus “Elementos de Direito Constitucional” (22ª edição, Malheiros 2008), que assim explicita como funciona o poder/dever do Presidente da República de regulamentar a execução das leis:

“É faculdade do Chefe do Poder Executivo haurida no Texto Constitucional.
(…)
O conteúdo do regulamento, entretanto, é predeterminado pela Lei.
Não pode, assim, desbordar dos limites legais, sob pena de imediata ilegalidade e mediata inconstitucionalidade.
O Executivo, ao regulamentar a lei, não a interpreta. Busca dar-lhe aplicação, simplesmente.
Como o regulamento é subordinado à lei, esta não pode delegar competência legislativa ao Executivo para criar direitos e deveres.”
Só que o Michel Temer golpista “esqueceu” tudo o que Michel Temer constitucionalista escreveu.

Em que medida é lei e não decreto?

Carlos Cleto — A Constituição Federal é explícita: nos termos do inciso II do Artigo 5º, “II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Mas esse decreto do Temer cria regras que vão além da regulamentação da administração pública, atingindo a esfera jurídica de pessoas privadas.

Ora, só a lei é possível criar obrigações ou abstenções que atinjam a esfera jurídica de alguém.

Pior ainda é que esse decreto cria regras licitatórias em um País que já dispõe de duas leis que tratam do assunto, a Lei nº 8.666 / 1993 e a Lei nº 13.303 / 2016, literalmente derrogando muitas disposições dessa última, que foi publicada exatamente no rastro da corrupção desvendada na Petrobrás no âmbito da Operação Lava Jato.

Isso, na lição de Michel Elias Temer já citada acima, implica em “imediata ilegalidade e mediata inconstitucionalidade”.

Ademais, o artigo 22 da Constituição prevê que é competência exclusiva da União legislar sobre

“XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III”.

Isso também demonstra que se trata de matéria que deve obrigatoriamente ser tratada por lei.

Temer baixou o decreto para não ter que passar pelo Congresso?

Carlos Cleto – Obviamente que é isso. Receia não ter votos para aprová-lo. Então partiu para esse caminho. Talvez sonhando que ninguém fosse perceber o óbvio.

Qual o objetivo do governo com esse decreto? Que empresas são alvo?

Carlos Cleto – Nele cabem todas as empresas estatais mistas. Mas, eu acredito que o principal objetivo é regulamentar o Programa de Desinvestimento, da Petrobrás, através do qual o governo está depredando a empresa, entregando seus ativos mais valiosos para investidores estrangeiros.

As práticas empregadas pelo senhor Pedro Parente são tão absurdas que esse decreto chega a ser moralizante.

A minha impressão é que o governo decidiu sacrificar os anéis — barrar os ganhos corruptos obtidos com as negociatas — para salvar os dedos — a entrega do patrimônio da Petrobrás e da Eletrobras aos estrangeiros.

Decreto moralizante?! Por quê?

Carlos Cleto — Porque esse decreto elimina os piores aspectos das “vendas escolhidas a dedo” feitas por Pedro Parente.

Com esse decreto, paradoxalmente, garantem-se as principais regras de vendas públicas utilizadas no Brasil antes de Temer e Pedro Parente.

Na minha avaliação, há um artigo importantíssimo, que elimina a principal fonte de corrupção atual no Programa de Desinvestimentos da Petrobrás.

É o artigo 27: “Competirá à Comissão de Alienação, para garantir a isonomia e a impessoalidade, proceder à abertura simultânea das propostas preliminares apresentadas”.

O decreto “poda” as piores barbaridades que Pedro Parente vem cometendo.

Quais seriam?

Carlos Cleto – A pretexto de “desinvestimento” – é nada mais do que a venda a estrangeiros de diversos segmentos da Petrobrás — Pedro Parente já entregou vários ativos da empresa, como o Polo Petroquímico de Suape, a Liguigás, NTS, os campos de petróleo de pré-sal de Carcará, Lapa e Iara.

A alegação oficial para sair dessas áreas é dedicar-se à exploração do pré-sal.

O que é uma falácia, como prova a entrega dos campos de Carcará, Lapa e Iara.

Agora, além da Petrobrás, o decreto atinge os valiosíssimos ativos da Eletrobras.

Considerando que é uma lei travestida de decreto, qual o pretexto usado pra tentar dar legalidade ao decreto?

Carlos Cleto — O pretexto não poderia ser mais tíbio. Está no artigo 1º: “Fica estabelecido, com base na dispensa de licitação prevista no art. 29, caput, inciso XVIII, da Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016″.

Ora, aquele inciso XVIII se refere apenas a “XVIII – na compra e venda de ações, de títulos de crédito e de dívida e de bens que produzam ou comercializem”.

Evidentemente, empresas e campos de gás e petróleo não se enquadram nessa definição de “bens que produzam ou comercializem”.

Um pouco atrás o senhor disse: “concluo que o governo decidiu sacrificar os anéis para salvar os dedos. Como vem sendo feito, ativos valiosíssimos  estão sendo entregues por preço vil.” Traduza, por favor.

Carlos Cleto — Pedro Parente vinha entregando os ativos da Petrobrás para compradores privilegiados, escolhidos a dedo. Obviamente ninguém faz isso de graça.

Mas, ao fazer os negócios dessa maneira escancaradamente ilegal, Parente criou um problema para o Governo Temer: todas as vendas estão sendo contestadas judicialmente, e podem acabar sendo anuladas.

É nesse contexto que Temer decidiu baixar o decreto 9.188. É para dar cobertura jurídica ao Programa de Desinvestimento, da Petrobrás.

Ao garantir publicidade e competitividade, certamente os ativos serão vendidos por preços mais justos.

Mas – e aí está o objetivo do governo — os ativos serão entregues!

É como na questão dos leilões da ANP do campos de pré-sal, na semana passada: neles, o governo obteve condições de preço extremamente melhores do que Pedro Parente obteve com seu Programa de Desinvestimento.

Basta comparar o que houve com o campo de Carcará, que Pedro Parente vendeu para a Statoil por preço irrisório. A Statoil ficou como dona de todo o petróleo que retirar daquele campo gigante pelos próximos 15 ou 20 anos.

Já no leilão do norte de Carcará, a mesma Statoil foi a vencedora, mas obrigou-se a entregar ao Brasil 67,12% do petróleo que extrair dali.

Então, quando falo em “sacrificar os anéis”, é porque o decreto impede que Pedro Parente continue a fazer o que vinha fazendo — entregar os ativos a preço vil.

Mas, como dito acima, embora por melhor preço, os ativos continuarão a ser entregues.

O tempo está correndo. Para o governo, é uma forma de garantir a entrega dos ativos enquanto Temer ainda é presidente e o Congresso ainda é o que é.

O que está por trás de tanta pressa?

Carlos Cleto — O compromisso do governo com o grande capital transnacional. Temer precisa cumprir sua agenda de entrega do patrimônio do Brasil.

Fonte:  Viomundo.

Está gostando do conteúdo? Compartilhe!

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on whatsapp
WhatsApp