Na última sexta-feira (01), o Sindipetro Alagoas/Sergipe e o de São José dos Campos, ambos ligados à Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), recorreram contra a decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que julgou abusiva a greve iniciada no dia 30 de maio contra a política de preços da Petrobrás, privatização da empresa e pela demissão de Pedro Parente.
A decisão do TST baseou-se na funesta lei nº 7.783 / 1989 – mais conhecida como lei antigreve.
Ela proíbe as greves político-sociais, que é o caso da greve dos petroleiros que decidiram lutar contra a devastação da Petrobrás pela gestão entreguista do senhor Pedro Parente, e, assim, coletivamente defender estes legítimos interesses
a) Redução dos preços do gás de cozinha e dos combustíveis, vez que a “política” de preços adotada pela gestão Pedro Parente é contrária aos direitos de todos os Brasileiros;
b) Manutenção dos empregos, vez que a defesa do emprego é o principal interesse da classe trabalhadora;
c) Retomada da produção das refinarias a plena carga, vez que o plano de Pedro Parente para destruir o setor de refino ameaça milhares de empregos da categoria petroleira;
d) Fim das importações de derivados de petróleo, vez que essa política visa exatamente esvaziar a atividade das refinarias da Petrobrás, e viabilizar a destruição de dezenas de milhares de postos de trabalho;
e) Não às privatizações e ao desmonte do Sistema Petrobrás, vez que cada privatização e cada entrega de ativos significam a perda de postos de trabalho;
Em países civilizados essa pauta seria considerada lícita, vez que atende ao principal interesse de todo trabalhador: a preservação de seus empregos, que, no caso da categoria petroleira estão ameaçados pela continuada depredação dos ativos e do patrimônio da Petrobras pela atual gestão.
Tal pauta de reivindicações também deveria ser lícita no Brasil, face ao disposto no artigo 9º da Constituição Federal:
“Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.”
Entretanto, a lei antigreve reduziu um direito constitucional a um quase nada jurídico, permitindo-a apenas na data base de cada categoria profissional e, ainda assim, obrigando seu encerramento após decisão da Justiça do Trabalho.
Então, onde foi parar o direito de greve, que está na Constituição e dá ao trabalhador a competência de “decidir sobre a oportunidade de exercê-lo” e o direito de decidir “sobre os interesses que devam por meio dele defender” ?
A lei antigreve vem exatamente na contramão do que foi debatido e votado pela Assembleia Nacional Constituinte.
Vale lembrar que a parte mais substancial do artigo 9º da Constituição Federal –“… competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade e os interesses que devam por meio dele defender” — foi objeto de muitas emendas supressivas apresentadas ao plenário da Assembleia Nacional Constituinte.
Todas essas emendas tinham como objetivo impossibilitar a greve política e quaisquer greves fora da data base, como admitiu o constituinte Aloísio Chaves:
“Da maneira como está redigido o caput do art 9°, os trabalhadores poderão deflagrar uma greve antes de iniciar-se a negociação coletiva, no curso de uma convenção coletiva ou depois que o conflito coletivo tenha sido julgado pela Justiça do Trabalho.
E a greve poderá ter por objeto tanto interesses pertinentes às respectivas relações de trabalho como outros de natureza política, econômica ou de solidariedade.”
A votação dessas emendas causou um dos maiores impasses na votação do texto final da Constituição Federal.
O “Centrão” seguidamente negou quorum à votação no afã de obter a retirada da expressão “… competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade e os interesses que devam por meio dele defender”
Essa atitude do “Centrão” provocou estas palavras do constituinte Ademir Andrade:
“Ainda na votação do 1º turno esse tema gerou enormes dificuldades, e depois de inúmeras reuniões, chegou-se a um acordo que foi aprovado e que garante o direito de greve do trabalhador, inclusive a greve política, ressalvados os abusos cometidos, que sujeitam os responsáveis às penas da lei.
Agora desejam os representantes do Centrão chantagear a Constituinte, ameaçando não dar quorum, se não for tirado o direito de greve no interesse de toda a classe trabalhadora.
Os Países democráticos e civilizados, onde existe o livre direito de organização sindical, promovem greve geral contra a política econômica do governo.
Esta é sob todos os pontos de vista uma prática democrática, que não podemos admitir não possa haver no Brasil. “
A posição expressa pelo constituinte Ademir Andrade obteve vitória esmagadora no Plenário da Assembleia Nacional Constituinte.
Foram 287 contra 112, ficando aprovada a redação que “garante o direito de greve do trabalhador, inclusive a greve política ”.
Curiosamente o presidente Michel Temer, que hoje criminaliza a greve dos petroleiros, votou para que fosse garantido “o direito de greve do trabalhador, inclusive a greve política”.
Mas a lei antigreve veio exatamente para acabar com a vontade do constituinte.
Os sindicatos apontam o artigo 14 da Lei 7783/89, como o coração da inconstitucionalidade da lei antigreve:
Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.
Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que:
I – tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição;
II – seja motivada pela superveniência de fatos novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho.”
O que resta do direito de greve, nos termos desse artigo, senão um QUASE NADA ?
Segundo os Sindicatos, esse artigo fere de morte os artigos 9 e 170, da Constituição Federal:
a) Ao artigo 9º, naquilo em que assegura, por soberana vontade da Assembleia Nacional Constituinte, que, no que respeita ao direito de greve, os trabalhadores possuem a competência de “decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”, não podendo ser cerceados no exercício dessa garantia constitucional por uma norma inferior;
b) Ao artigo 170, vez que nem mesmo
“decisão da Justiça do Trabalho” pode obrigar um Homem Livre a vender sua Força de Trabalho por qualquer outro preço diverso daquele que ele esteja disposto a aceitar; impor o preço pelo qual um Trabalhador deva vender sua Força de Trabalho – para a imensa maioria o único bem que possuem – na prática significa revogar a Lei Áurea.
Os sindicatos questionam também em seu recurso o próprio Poder Normativo da Justiça do Trabalho.
Argumentam que o Dissídio Coletivo de Natureza Econômica e o Poder Normativo da Justiça do Trabalho são filhos do Artigo V da Carta del Lavoro, do Estado Fascista de Mussolini e que sua incompatibilidade com o Estado de Direito é auto-evidente:
Como poderia um Trabalhador ser obrigado a vender sua Força de Trabalho pelo preço determinado pela Justiça do Trabalho ?
A Força de Trabalho é, para a imensa maioria da Classe Trabalhadora, o único bem de que cada um dispõe; assim, dentro de um Estado de Direito, apenas o Trabalhador é senhor de negociar o preço pelo qual queira vender aquele bem.
De acordo com os Sindicatos, somente após a Emenda Constitucional nº 45/2004, ou seja, com quase 60 anos de atraso, Mussolini foi finalmente enterrado em nosso ordenamento Jurídico.
Isso porque após a emenda nº 45 / 2004, o Poder Normativo da Justiça do Trabalho foi transformado em um “Poder Arbitral”, que apenas pode ser acionado mediante o Comum Acordo das Partes, como passou a constar do Parágrafo 2º do Artigo 114 da Constituição Federal.
Ou seja, o julgamento de cláusulas coletivas apenas poderá ocorrer quando isso for desejo de ambas as partes envolvidas.
Foi exatamente por isso que a Constituição cuidou de limitar ao Ministério Público a titularidade do dissídio coletivo de greve, motivo pelo qual também a empresa e o governo não poderiam sequer ter ajuizado o Dissídio Coletivo de Greve.
Reforçam que fosse o caso de dissídio coletivo de greve ajuizado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), o conflito a ser decidido deveria ficar restrito ao atendimento às necessidades do interesse público, sem que possa ser aplicado qualquer julgamento sobre as reivindicações dos trabalhadores.
Concluem então que é necessário que o TST recoloque em vigor o direito constitucional de greve e declare a inconstitucionalidade da lei antigreve.
Pedem, assim, a reforma da decisão, vez que a categoria petroleira limitou-se a exercer seu direito constitucional de greve, dentro dos limites que lhe foi deferido pelo legislador Constituinte.
*Raquel Sousa é advogada do Sindipetro AL/SE e das ações populares contra as vendas de ativos da Petrobrás.
Fonte: Viomundo