“O Brasil que Bolsonaro quer impor é uma colônia ultraliberal sem direitos sociais”, diz pesquisador

Conforme divulgado na entrevista anterior, publicada no dia 9/11, a Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) está fazendo uma série de entrevistas com representantes de importantes institutos que fizeram parte da construção da luta da categoria petroleira nos últimos anos.

Nesta publicação, a entrevista é com Nazareno Godeiro, pesquisador, da coordenação nacional do Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos (ILAESE), “militante de esquerda desde 1978”, como ele mesmo se intitula.

Godeiro escreveu vários livros como: Neodesenvolvimentismo ou neocolonialismo, o mito do Brasil imperialista; A privatização da Vale do Rio Doce, nem tudo que reluz é ouro, A Embraer é Nossa, nacionalização e desnacionalização da Empresa Brasileira de Aeronáutica, entre outros.

Em entrevista para a FNP, Godeira faz alguns apontamentos sobre o que poderá acontecer durante o governo de Bolsonaro. Para ele, “no programa de governo de Bolsonaro consta vender as empresas estatais para pagar a dívida pública. As privatizações não vão resolver o problema da dívida. Este argumento é totalmente falso”, afirma.

Agora, confira os principais trechos da entrevista concedida por Nazareno Godeiro à FNP.

FNP – O que Bolsonaro pretende fazer?
Nazareno Godeiro (NG) – O futuro do Brasil que Bolsonaro quer implantar é uma colônia ultraliberal, dominada pelos Estados Unidos, sem direitos sociais e inspirado em Pinochet.
Esse é o plano do ministro da economia, Paulo Guedes, que pretende continuar desindustrializando o Brasil e desnacionalizando a economia através de uma privatização total. No início de novembro, o filho de Bolsonaro estava nos Estados Unidos, discutindo as condições desta entrega.

Desde 1990 se operou uma mudança importante no Brasil: de quarto país mais industrializado do mundo em 1985, se converteu em uma economia de cunho colonial, “celeiro do mundo”, como exportador de alimentos, minérios e energia.

Desde então, o Brasil está sendo recolonizado, dominado por grandes multinacionais, que operam os principais ramos da economia brasileira.[1] O desmonte do Brasil industrial começou com FHC e, infelizmente, continuou sob os governos seguintes.

O Brasil tem as maiores riquezas minerais do globo, em breve será o maior produtor de alimentos do planeta e tem o maior potencial de exploração de óleo e gás da terra. Além disso, detém os maiores aquíferos do mundo.

É essa riqueza que as multinacionais estão querendo comprar, mas não para industrializá-las no país. Beneficiarão estas matérias-primas nos países ricos e venderão produtos industrializados para o Brasil, como é feito desde 1500.

Este plano enfrenta oposição até dentro do novo governo. Os militares defendem um projeto de “Brasil Grande Nação”, continuidade do pensamento de Golbery do Couto e Silva, subordinada aos Estados Unidos, porém dominante na América do Sul. Aliás, os Estados Unidos é o país onde os generais do Brasil foram formados. Esses militares têm objeções de privatizar 100%. Pretendem ter um Estado com algum peso na infraestrutura básica para auxiliar o domínio das multinacionais. Portanto, uma “sensibilidade” diferente de Paulo Guedes, representante dos especuladores internacionais, que pretendem quebrar as empresas para depois comprá-las a preço baixo. Por isso, há disputa pesada pela direção da Petrobrás entre os setores.

Este governo pretende entregar o que resta (e é muita riqueza) às multinacionais, principalmente norte-americanas. A consequência no lado econômico-social, será a barbárie, perda de direitos sociais, manutenção do desemprego em massa, rebaixamento salarial, precarização geral da mão-de-obra, quebra dos serviços sociais de educação e saúde. Um projeto deste tipo só pode ser aplicado pela força, com repressão e ditadura militar contra a população brasileira.

Todo o plano de recolonização do Brasil fica patente na venda da Embraer para a Boeing, gigante da aviação e segurança norte-americana. Bolsonaro já se pronunciou favoravelmente ao “negócio”. Neste caso se soma rapinagem e desnacionalização. A Boeing pretende pagar US$ 3,8 bilhões pela Embraer. Uma mixaria, levando em conta que apenas os investimentos do BNDES na empresa foram de US$ 20 bilhões em 20 anos. A Embraer é a terceira maior exportadora do Brasil e única grande empresa nacional de alta tecnologia. Para eles, não interessa o Brasil como exportador de produtos industrializados, por isso, a Boeing vai comprar a Embraer, tornando-a uma subsidiaria, produtora de peças. A tecnologia de ponta ficará nos EUA. Consumada essa venda, com apoio do Bolsonaro, se demonstrará que o slogan “Brasil acima de tudo” foi apenas um slogan para ganhar as eleições.

Concluindo, está em questão o futuro do Brasil. Não está dado que já venceu. Os dados começaram a rolar agora. Sua vitória eleitoral permite utilizar o aparato do Estado a serviço do seu plano, mas não quer dizer que já venceu. A mesma classe trabalhadora que derrotou FHC, pode derrotar Bolsonaro!

FNP – Viveremos uma crise social de grandes proporções?
NG – Temos hoje no Brasil 77 milhões de trabalhadores desempregados e subempregados, que representa 62% de pessoas em idade de trabalhar.[2] Uma crise de grandes proporções que o capitalismo não pode e não quer resolver. É combustível esperando uma fagulha para incendiar. O governo Bolsonaro pretende colocar as FFAA para enfrentar esse barril de pólvora. O capitalismo e sua forma neoliberal jogou o Brasil numa crise infernal. Temos 60 mil homicídios por ano no Brasil. São mais mortos que nas guerras ao redor do mundo. No campo brasileiro, o agronegócio já mata um trabalhador a cada 10 dias, devido ao conflito de terras. Se Bolsonaro liberar o assassinato de camponeses, sem-terra e quilombolas, esse índice vai multiplicar-se, e pior, sem resolver o problema já que o Brasil é o segundo país do mundo com mais latifúndios, perdendo apenas para o Paraguai.

O responsável por essa crise é o capitalismo e não os trabalhadores, movimentos sociais, negros, mulheres, indígenas, camponeses ou LGBTs, que são vítimas da superexploração dos empresários nacionais e multinacionais. Bolsonaro está buscando bodes expiatórios para culpar pela crise porque não tem coragem de enfrentar os verdadeiros responsáveis por ela.

FNP – Um governo improvisado pode ser derrotado?
NG – O governo Bolsonaro é um governo improvisado, que chegou ao poder mais pela crise dos outros que por suas “virtudes”. Não goza do apoio dos principais setores empresariais do mundo e do Brasil, que temem as consequências de uma guerra civil para seus negócios. Eles preferiam continuar explorando os trabalhadores através da “democracia”, usando o 171 de dois em dois anos. Vão tentar “domar” Bolsonaro para atuar “dentro da Constituição”, fazendo vista grossa quando o “capitão” pisoteá-la para atacar a classe trabalhadora.

Este é um governo improvisado no calor dos acontecimentos. No seu interior tem projetos contraditórios. Seus votantes não votaram por seu programa de matar 30 mil opositores senão porque prometeu segurança e o fim da corrupção, duas coisas que certamente ele não conseguirá porque são enfermidades próprias do sistema capitalista. A prova disso é que Bolsonaro já colocou três corruptos de carteirinha no seu governo e Moro fez vista grossa, justificando o crime que deveria punir.

Bolsonaro governará uma país que está numa crise de grande envergadura, que não conseguiu ser debelada por três grandes partidos com implantação social no Brasil e que, justamente por isso, foram triturados nas eleições recentes: PMDB, PSDB e PT.

Porém, improvisado não quer dizer que será derrotado facilmente. Ele tem o apoio do alto comando das FFAA, e com isso, buscará derrotar, pela força das armas, a classe trabalhadora brasileira.

FNP – Como ficará a Petrobrás?
NG – O programa do Bolsonaro para a Petrobrás prevê “…vender parcela substancial de sua capacidade de refino, varejo, transporte e outras atividades onde tenha poder de mercado”.

Ou seja, pretende continuar o desmonte da Petrobrás como empresa integrada (do poço ao posto), transformando-a em grande exportadora de óleo cru e importadora de derivados. Por isso, pretende vender partes importantes da empresa.

O imperialismo desejava privatizar a Petrobrás desde 1985 com FHC, mas a população não aceitou. Por isso, ele foi quebrando a Petrobrás por dentro, aos pouquinhos. Privatizou 30% da empresa através de venda de ações em Nova York. Depois realizou um amplo programa de terceirização e iniciou os leilões. O objetivo deste plano era desmontar paulatinamente a empresa, em direção à privatização e à desnacionalização.

Quando a Petrobrás descobriu o pré-sal, Lula poderia ter uma política para recuperar a Petrobrás 100% estatal, comprar as ações em mãos de estrangeiros, parar com leilões, com desinvestimentos e com a terceirização generalizada. Ao invés disso, o PT, aprofundou o ataque e a privatização como ficou evidente no leilão de Libra, no salto da terceirização de mão-de-obra e no plano de venda de ativos.

Hoje temos a Petrobrás sendo desfigurada como empresa integrada de energia e o governo de Bolsonaro quer terminar o trabalho que os outros começaram: para isso, terá que usar a força bruta porque segundo pesquisa recente do Datafolha, 70% dos brasileiros são contra a privatização da Petrobrás e 78% contra o capital estrangeiro na companhia.[3]

Paulo Guedes disse, em conversa com Bolsonaro, reproduzida na imprensa, retrucando sobre o papel estratégico da Petrobrás:

“É estratégico para quê?! E se o carro elétrico pegar, se a energia passar a ser nuclear, solar? Aquilo é um fóssil, Jair! Veja quanto valia naquele tempo, quanto vale hoje? E estou mostrando para você, Jair, que lá atrás, se a Petrobras tivesse sido vendida, a dívida pública teria sido paga. Hoje, paga quarenta bolsas-família! Dava dinheiro de graça para o povo. Olha o custo, olha como a ideologia é cara. É burrice ter ideologia.”[4]

Segundo este ponto de vista, se ele tivesse poder, venderia a Petrobrás hoje por R$ 261 bilhões, cerca de 70 bilhões de dólares.

Vender a Petrobrás por este valor é entrega-la quase de graça.

Em dois anos, a Petrobrás renderia este valor para quem a comprasse:  de 2008 a 2017, a empresa rendeu US$ 350 bilhões de dólares em lucro bruto. Uma média de US$ 35 bilhões de dólares por ano.

Suas reservas de óleo são estimadas em 100 bilhões de barris e alcançam algo em torno de US$ 5 a 10 trilhões de dólares, 10 a 20 vezes mais que o que se pretende vender a Petrobrás, sem contar todos os prédios, plataformas, refinarias, postos, ativos, conhecimentos técnicos, navios, caminhões, helicópteros, etc.

Sob nenhum ponto de vista se justifica a privatização da Petrobrás. Por isso, será difícil a tarefa de Bolsonaro privatizar a Petrobrás, contra tudo e contra todos, se ocorrer a união geral dos sindicatos, federações e centrais sindicais para defendê-la na luta.

FNP – As privatizações resolvem o problema da dívida pública do país?
NG –
No programa de governo de Bolsonaro consta vender as empresas estatais para pagar a dívida pública. As privatizações não vão resolver o problema da dívida. Este argumento é totalmente falso. Para demonstrar isto basta ver que 5 das maiores estatais (Petrobrás, BB, BB seguridade, Eletrobrás, BR distribuidora) tem “valor de mercado” de R$ 437,4 bilhões.

Esse valor não paga nem os juros da dívida pública do Brasil em um ano. Em 2017, se pagou de juros e amortização da dívida o valor de R$ 986 bilhões de reais. A dívida interna e externa já alcança o valor estratosférico de R$ R$ 5.410.309.383.554,28, isto mesmo, mais de 5 trilhões de reais.

Para ter uma ideia, a venda da Embraer para o Boeing, caso se concretize, renderá R$ 13 bilhões de reais, que significa apenas 1% dos juros pagos num ano!

E pior, esta dívida nunca diminui, apesar de se pagar 1 trilhão de reais por ano para os banqueiros nacionais e internacionais.

Essa dívida era de R$ 300 bilhões em 1994, quando FHC assumiu. Nos seus dois mandatos ele pagou R$ 6,1 trilhões de reais e a dívida saltou para R$ 1,2 trilhão em 2002. Lula assumiu e pagou em seus dois mandatos R$ 5,7 trilhões e a dívida saltou para R$ 2,7 trilhões. Dilma continuou pagando religiosamente esta dívida e o mesmo passou com Temer. A dívida hoje está em R$ 5,4 trilhões de reais e pagamos R$ 3,5 bilhões por dia! Em 9 dias, se paga aos banqueiros o que se gasta todo o ano com o Programa Bolsa Família.[5]

Já pagamos esta dívida mais de 50 vezes e ela não para de crescer. Aqui está um dos elementos que está afundando o Brasil.

Desde o Império, a dívida pública se converteu num elemento de submissão do Brasil aos países capitalistas centrais. Começou com os bancos ingleses, que financiavam estradas de ferro e especulavam com ações de empresas. Depois, a República significou mais subordinação aos ingleses, pois era necessário exportar café, açúcar, etc., para ganhar dinheiro e pagar a dívida.

A economia é orientada para conseguir dólares através do comércio internacional, garantindo um superávit entre exportação e importação. Esses dólares são usados para pagar a dívida e remunerar os capitais estrangeiros no Brasil através de mecanismos, como remessas de lucros, juros, etc. Quando há um envio muito grande de riquezas para fora, entra em crise o mecanismo de pagamento da dívida, que termina absorvendo todo o orçamento da nação. Foi o que ocorreu no início da década de 1980, quando a ditadura teve que renegociar o pagamento da dívida externa e o FMI passou a ditar as regras para a economia brasileira. Em 2018, estamos nos aproximando perigosamente dos momentos de grandes crises da dívida, como 1889, 1930, 1964 e 1982.

Se o Brasil fosse um país independente, e a burguesia brasileira não fosse tão covarde, já teria deixado de pagar esta dívida há muito tempo!

FNP – Podemos vencer esta batalha?
NG – Para vencer, devemos evitar o erro cometido pela FUP na greve dos petroleiros em 2015. A greve já durava quase 1 mês e os trabalhadores podiam ter derrotado os planos de ataque a Petrobrás. A FUP, por ser aliada do governo, desmontou a greve por dentro, acreditando numa promessa de uma mesa de negociações para discutir o “desinvestimento”. Erro grave, pois só quem podia barrar os ataques a Petrobrás era a vitória da greve, que poderia impor a paralisia dos planos e a eleição direta do presidente da empresa. Com isso, poderíamos ter na Petrobrás uma direção eleita democraticamente pelos petroleiros, diretos e terceirizados.

Para vencer não podemos cometer o erro que a CUT cometeu em 2017. Aí, realizamos a maior greve geral já feita no Brasil, produto da união geral dos sindicatos e centrais sindicais, que poderia ter derrubado Temer e levado junto Bolsonaro, Cunha e companhia. Ao invés disso, a CUT e o PT, tiraram o time de campo e preferiram apostar no “Lula 2018”, erro grave que deu a iniciativa ao inimigo de classe. A greve dos caminhoneiros poderia ter derrubado Temer, bastaria o apoio das centrais e a convocatória de uma greve geral. Novamente o PT apostou no Lula-lá e deu com os burros n’água.

Devemos aprender com os erros e unir todos os sindicatos, federações, movimentos sociais e centrais sindicais, unidos com os partidos de esquerda, na luta direta contra a reforma da previdência e o ataque às liberdades democráticas com lutas de rua, na greve geral, ocupações de terra e terrenos, paralisações.

Nós somos fortes na luta direta, na luta de classes porque somos 135 milhões de trabalhadores e estamos na luta desde 1980 quando derrotamos a ditadura militar.

Vamos para a luta, unidos, numa frente única, todas as centrais sindicais e partidos que se reivindicam dos trabalhadores, para impedir a reforma da previdência, para impedir a violência contra os movimentos sociais, impedir as desocupações de terras e terrenos, para impedir o desmatamento da Amazônia e a entrega das terras indígenas ao imperialismo. Para garantir os direitos dos camponeses, indígenas, negros, mulheres e LGBTs que estão questionados.

FNP – Gostaria de acrescentar alguma coisa?
NG – O capitalismo e o domínio imperialista estão destruindo o Brasil para sustentar um punhado de parasitas. Basta ver que o desenvolvimento do Brasil está estagnado:


Fonte: IBGE. Década de 2010 é a média de crescimento do PIB entre 2011 e 2016. Elaboração ILAESE

Nesta década iniciada desde 2010, o crescimento médio da economia brasileira chega perto de Zero.

O capitalismo, na sua forma neoliberal, está afundando o Brasil. Isto significa que o país só pode desenvolver-se, doravante, em ruptura com o imperialismo e o capitalismo, com as grandes empresas e bancos estatizados, funcionando sob controle dos trabalhadores e usuários, isto é, uma economia socialista.

 

[1] Das 100 maiores empresas do Brasil, 45 são multinacionais (portanto 100% estrangeiras) e 31 empresas são de capital nacional associadas com multinacionais e bancos estrangeiros. Apenas 18 empresas privadas do total são 100% de capital nacional. (Fonte: Revista exame 2017)
[2] Fonte: anuário estatístico do ILAESE, baseado em números do IBGE.
[3] Pesquisa Privatização http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/12/1945999-sete-em-cada-dez-brasileiros-sao-contra-as-privatizacoes.shtml
[4] O FIADOR. A trajetória e as polêmicas do economista Paulo Guedes, o ultraliberal que se casou por conveniência com Jair Bolsonaro, por Malu Gaspar
[5] Fonte: SIAFI – STN/CCONT/GEINC. Banco Central e SIGA BRASIL – Senado Federal 4 – Elaboração ILAESE

 

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