A situação da mulher na Petrobrás: uma polêmica com Graça Foster

* Fabíola Calefi
* Raíra Copolla

Sem muitas chances de mascarar uma realidade que salta aos olhos, ou no melhor estilo “contra fatos não há argumentos”, Graça Foster não teve outra saída. Finalmente, admitiu. E sem muitos rodeios: a Petrobrás ainda é uma empresa predominantemente masculina, com apenas 15,6% de mulheres compondo a força de trabalho. A declaração aconteceu em um pomposo evento realizado em Houston, nos Estados Unidos, no último dia 7 de maio, sob o título “Wise: Mulheres da Indústria Dividindo Experiências”.

Entretanto, a declaração não viria sem um remendo autoelogioso sobre a companhia que comanda e lhe permite ter o status de 3ª mulher mais influente do Mundo. “Mas comparados ao restante da indústria do petróleo, não estamos tão mal”, avaliou.

No segmento de petróleo e gás, os homens são 92,2% e as mulheres, 7,8%. Para ela, há 33 anos na empresa, é preciso brigar contra o preconceito, inclusive na escolha das carreiras. Hoje, as carreiras técnicas ainda têm maioria de homens.

Aos olhos de quem e para quem ?não estamos tão mal??
Qualquer petroleira que não faz parte do seleto grupo de diretores da alta administração ou do corpo gerencial da Petrobrás sabe que a realidade na empresa é dura. Seja no chão de fábrica, seja nos escritórios das unidades administrativas, todas as empregadas sofrem a discriminação de gênero e os efeitos colaterais de sempre, sempre, serem minoria. Não apenas em números, mas principalmente em direitos. Afinal, ao contrário da realidade na Petrobrás, mais da metade da força de trabalho no país é formada por mulheres e mesmo assim essa supremacia aritmética não se converteu em salários iguais e direitos iguais.

Por isso, a irresponsável frase “não estamos tão mal” é lida como um tapa na cara de petroleiras como Ana Paula, por exemplo, demitida injustamente há um ano por denunciar irregularidades no Terminal de Cabiúnas, no Norte Fluminense. Por isso, respondemos: estamos mal, sim, senhora Presidente! Vamos aos fatos, que não são novos e que sempre denunciamos.

“Não estamos tão mal”. Imagine se estivéssemos
Nas plataformas é comum, devido ao sistema de confinamento durante 14 dias para as petroleiras concursadas e 21 dias para as terceirizadas, os gerentes cometerem assédio moral e sexual com o intuito de ?se dar bem?. Existem plataformas, inclusive na Bacia de Santos, berço do promissor pré-sal, em que não há camarotes exclusivos para as mulheres. Sempre no improviso, as petroleiras embarcadas são constantemente trocadas de camarote em camarote, num total desrespeito ao período de descanso. Isso sem falar no enorme constrangimento que este absurdo gera.

Nas áreas operacionais, como a RPBC e RECAP, não há banheiros para mulheres, nem uniformes próprios. O uniformes utilizados são masculinos, ignorando as especificidades das mulheres. Mais grave ainda é a situação das mulheres grávidas ou lactantes que trabalham nas áreas operacionais. Essas companheiras estão diariamente expostas a níveis de substâncias químicas como benzeno, que não são reconhecidos pela empresa. Dessa forma, medidas mitigadoras não são aplicadas ou quando aplicadas são insuficientes ou cumprem mera formalidade.

O direito aos 180 dias de licença-maternidade deve ser solicitado, o que gera por consequência a necessidade de uma negociação perversa com os chefes. Evidentemente, tal negociação não acontece em condições de igualdade. Sabemos a pressão que existe para que as companheiras não utilizem os 60 dias a mais a que têm direito sob pena de ficarem marcadas como empregadas que “não vestem a camisa da empresa”. Tudo isso influencia o avanço profissional dessas companheiras, já que os critérios para promoção como GD e níveis são subjetivos. As trabalhadoras ficam, invariavelmente, reféns de uma avaliação positiva do mesmo gerente responsável por pressioná-las a não se afastarem por 180 dias.

No caso das terceirizadas, o desrespeito a esse direito é gritante e a prorrogação sequer é garantida. Algumas trabalhadoras chegam a ser demitidas sumariamente em pleno período de gestação ou logo quando retornam ao trabalho. Tudo isso com a conivência e omissão da Petrobrás que, legalmente, é co-responsável por essas terceirizadas.

Foster reconhece desigualdade, mas prega “igualdade”
A presidente destacou, com relação às cotas para mulheres, que acredita que o melhor caminho para eliminar a discriminação e proporcionar oportunidades iguais para todos é eliminar o preconceito, se posicionando contra os sistemas de cotas. Chegou a insinuar, indiretamente, que as cotas em si seriam uma espécie de preconceito. “Nós somos diferentes, mas podemos fazer o mesmo trabalho se assim decidirmos”, disse.

Esse discurso é o mesmo usado pela direita e por aqueles que querem manter os privilégios de uma sociedade desigual contra as cotas raciais. Ações afirmativas, sejam para negros, sejam para mulheres, são apenas medidas que visam diminuir o abismo que foi criado e continua a existir na sociedade e nos locais de trabalho. Não será o sistema de cotas que irá aumentar ou diminuir o preconceito contra a juventude negra e pobre ou contra as mulheres trabalhadoras.

O que ainda predomina na sociedade é a dita ?discriminação negativa?, que transforma as diferenças em desigualdades. As cotas são uma resposta a esta realidade e fazem parte de políticas de ?discriminação positiva?. Ou seja, de medidas que podem e devem ser adotadas a partir do reconhecimento da existência de condições desiguais entre diferentes grupos sociais. Em nosso caso, entre homens e mulheres. As cotas, portanto, ao invés de reafirmar o preconceito e uma suposta incapacidade dos negros e das mulheres, reconhece a existência dessas discriminações e busca amenizar suas consequências.

Graça Foster, com sua declaração, ignora completamente esta bandeira dos movimentos sociais, dos estudantes e dos sindicatos. Usando como regra a sua história de vida bem-sucedida, a presidente da Petrobrás dissemina a falsa ideia de que basta muito esforço e uma “briga” formal contra o preconceito, contra o machismo, para acabar com desigualdades históricas. Com isso, na prática se opõe conscientemente à organização das mulheres, seja nos sindicatos, seja em grupos feministas ou em qualquer outro fórum ou entidade. Como uma legítima representante dos interesses da empresa, tenta colocar em nossas cabeças que o melhor caminho é, individualmente, cada mulher tentar buscar “o seu lugar ao sol”. Nada mais bonito. Nada mais falso.

Preconceito no interior do movimento sindical
O preconceito às mulheres é uma realidade tão dura e tão marcante em nossa sociedade que nem mesmo o movimento sindical está livre de reproduzir as discriminações impostas às mulheres historicamente. Neste sentido, lamentamos e repudiamos a atitude vergonhosa da direção da FUP, que em recente encontro das Petroleiras Fupistas não permitiu a participação de mulheres “não fupistas”.

O evento que tinha a pretensão de reunir as mulheres contra a discriminação segregou a parcela feminina da categoria representada pela FNP ou que, simplesmente, não se identifica com os governistas. E o maior agravante: a companheira Ana Paula teve sua inscrição no evento negada! Ana Paula, que era CIPISTA e pertence a uma base da FUP, o Terminal de Cabiúnas, foi impedida de participar dos debates. Logo ela, que foi demitida por denunciar as péssimas condições de trabalho.

Nesse mesmo encontro, que impediu a presença de uma lutadora e deveria ser exclusivamente das trabalhadoras petroleiras, Graça Foster teve cadeira cativa e esteve presente para abrir o evento. Com isso, mais uma vez a FUP demonstrou o seu atrelamento cada vez maior à empresa e ao Governo, transformando seus congressos e atividades em fóruns sem qualquer democracia, servindo de palanque para figuras alheias à nossa classe.

A batalha contra as desigualdades e o machismo é dura. Mas vale a pena
No último 8 de março, Dia Internacional das Mulheres, realizamos um bonito ato na base do Litoral Paulista. Coincidentemente, os petroleiros – homens e mulheres, lado a lado – realizavam uma paralisação contra a redução do quadro mínimo de operadores da RPBC – mais uma medida perversa do PROCOP.

Enquanto entregávamos a cartilha sobre assédio moral e assédio sexual elaborada especialmente para esta data (leia aqui a cartilha), uma companheira se aproximou das dirigentes sindicais do Departamento de Mulheres. Muito emocionada, nos parabenizou pela ação e agradeceu, com os olhos marejados, a iniciativa. Finalmente, se sentiu à vontade para contar um pouco de sua história, se sentiu à vontade para desabafar.

Essa cena emocionou todos os que estavam por perto. Uma mistura de indignação pelo sofrimento encarcerado nela e em tantas outras mulheres, com o sentimento de esperança na luta para reverter o preconceito e o machismo, nos deu força e a certeza de que o trabalho desenvolvido até aqui não é em vão.

Precisamos denunciar as práticas humilhantes e os assédios. Precisamos expulsar do ambiente de trabalho, da empresa, os gerentes que se utilizam de cargos influentes para destruir a vida profissional de dezenas de trabalhadores e trabalhadoras em nome de uma política nefasta de desenvolvimento a qualquer custo.

Um convite. E um desafio.
Fazemos um convite sincero a todas as mulheres petroleiras. Todas. Sejam das bases da FUP, sejam das bases da FNP, primeirizadas, terceirizadas, ativas, aposentadas, pensionistas. Todas, venham com a gente ao sétimo Congresso Nacional da FNP, que acontecerá entre os dias 4 e 7 de julho, em São Sebastião. Lá, vamos nos reunir para discutir de verdade os problemas que enfrentamos no trabalho, as dificuldades na AMS, INSS, etc. E nos unir aos companheiros trabalhadores para que também assumam ao nosso lado uma tarefa ousada, mas urgente: transformar, através da organização e da luta, a realidade das mulheres no Sistema Petrobrás.

Por fim, fazemos um desafio à presidente Graça Foster: venha ao congresso e diga, novamente, que “não estamos tão mal” após ouvir os relatos dessas companheiras. Temos certeza de que esta frase não se repetirá para uma plateia que não será formada por gerentes e diretores, mas sim por trabalhadoras que cotidianamente sofrem com a discriminação e o machismo.

Fabíola Calefi e Raíra Coppola são diretoras do Sindipetro-LP e compõem o Departamento de Mulheres do sindicato.

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