Artigo de Tereza Ramos e Ronaldo Tedesco*
O Boletim SURGENTE nº1288, de 2 de outubro de 2014, do Sindipetro/RJ, publicou na coluna ?Fala Petroleiro? o artigo ?Aposentado agradece aos trabalhadores petroleiros, mas a luta continua?, assinado pelo companheiro Luís Ernesto Tavares, aposentado em julho de 2014.
A informação da aposentadoria de Tavares trouxe um misto de emoções e lembranças. Estivemos ombro a ombro na Bacia de Campos e, de resto, em todas as lutas petroleiras desde a década de 1980. Militamos juntos na construção do Sindipetro/NF, desde a criação da Associação dos Petroleiros, junto com o companheiro Madureira e muitos outros. Na época, éramos parte da corrente petista Convergência Socialista que ajudou a aglutinar e formar politicamente diversos companheiros da vanguarda petroleira.
Tavares sempre foi um companheiro muito sério e empático. Sua figura sempre disposta a construir os processos de mobilizações e organizar os trabalhadores adquiriu um enorme respeito entre estes. Muitos trabalhadores da Bacia de Campos na década de 1980 nunca haviam visto Tavares, mas já se falava de sua coerência, vontade política e combatividade.
Vivíamos o início de um dos processos mais profundos de organização da categoria petroleira. Foi logo após o final da greve dos petroleiros de 1983, ao final da ditadura militar, que envolveu Campinas e Mataripe, com uma grande quantidade de ativistas demitidos. Estes ativistas se transformaram, em sua maioria, na coluna de quadros que veio a dirigir a categoria petroleira nas décadas seguintes (Santarosa, Spis, Jacó Bittar, Ermínio, entre tantos outros), enfrentando a aplicação do neoliberalismo no Brasil, lutando contra as demissões do Governo Collor e o processo de privatizações de FHC.
Boa parte desta coluna de quadros tornou-se vitoriosa eleitoralmente a partir da construção do PT como ?alternativa de poder? em nosso país. Devido a seu papel na condução das lutas da categoria nas décadas de 1980 e 1990, mantém até hoje um papel de liderança. Liderança agora, já não mais baseada nas nossas lutas, mas na expectativa que os petroleiros majoritariamente continuam a ter nos governos petistas.
Tavares não se tornou um destes quadros. Sua trajetória foi combatida pela gerência com truculência. Foram três demissões da Petrobrás. E três reintegrações. Sua opção pela ideologia anarquista o fez se afastar dos caminhos institucionais, muitas vezes tendo a gerência se aproveitado para tornar sua vida mais difícil, com longos períodos de demissão seguidos por longos períodos fora da produção. Nunca esmoreceu.Talvez o que Tavares não tenha conseguido perceber a fundo foi exatamente o papel que sua firmeza e combatividade cumpriram na organização de nossa classe.
O Sindipetro/NF hoje talvez não seja o sindicato livre e autônomo como desejamos. Mas as lições de auto-organização da classe trabalhadora que foram ensinadas naqueles tempos permanecem até hoje. Os trabalhadores irão por muitos anos ainda se reunir nas lutas das plataformas da Bacia de Campos em assembleias auto-organizadas e sem a presença física do chamado ?diretor sindical?, sem nem saber que a origem deste comportamento está lá na década de 1980, quando Tavares, junto com incontáveis lutadores petroleiros (Mário, Eilton, Tereza, Ézio,Onésimo, Otto, Caixeta, Tedesco, Silvestre, Cleber Graça, Rangel, Fábio, Mendonça, Jorjão Alves e tantos outros que não citaremos num longo etc.) orientavam estas mobilizações com noções incipientes de auto-organização.
Nossa principal conquista foi, sem dúvida, a escala de ?14 X 21? (14 dias embarcados, 21 dias de folga). Esta luta foi o resultado – dentre outros fatores que se somaram – de uma das mais importantes e fortes campanhas organizadas autonomamente e pela base que fizemos. O ?7 X 14? foi incorporado nas mobilizações e nos corações dos petroleiros. Superou divergências políticas. Superou os gerentes reacionários, desaguando na primeira greve com parada de produção nas plataformas da Bacia de Campos. A truculência gerencial demitiu 25 companheiros que foram reintegrados logo a seguir, numa nova greve (nacional) que seguiu o exemplo extraordinário que esta vanguarda ensinou.
As plataformas, é verdade, continuam inseguras. A situação se agravou em função do abandono quase total da manutenção destas na década de 1990, quando ainda não havia perspectivas em relação ao pré-sal e a política de sucateamento ganhou força na Petrobrás sob o governo FHC. Mas se hoje os trabalhadores da Bacia de Campos conquistaram as CIPAs (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) por plataforma, o embrião desta conquista está na orientação firme que esta maravilhosa coluna de lutadores soube construir para que estase muitas outras vitórias pudessem ser possíveis anos depois.
Estas lutas de 20, 30 anos atrás criaram uma nova consciência nos trabalhadores, que até hoje falam das greves de ocupação com parada de produção -semelhantes as que construímos nas plataformas – como ?alternativa eficaz de forma de luta?. A própria criação da Federação Nacional dos Petroleiros – FNP- como oposição à política ?chapa branca? implementada pela FUP é parte importante da tradição de ?poli-organização? petroleira que constrói ferramentas para impulsionar suas lutas e as abandona assim que verifiquem que estas não servem mais. Tal qual o trabalhador que utiliza suas ferramentas e as troca quando já não lhe ajudam. Este aprendizado começou lá, em Macaé e Campos, nas discussões de organização e luta apaixonadas que travamos.
Com certeza, a corrupção e o autoritarismoque temos visto praticados por dirigentes da Petrobrás extrapolam os limites estreitos que nossas lutas sindicais podem atingir. Mas estas batalhas trouxeram à tona a necessidade da luta política contra a exploração de classe que se mantém no regime capitalista.E este é o nosso legado. Se hoje a Petrobrás está atravessando um momento difícil como temos acompanhado, as perspectivas de superação passam exatamente por esta tradição que foi criada naqueles ? hoje quase românticos ? duros dias de lutas que vivemos juntos.
Uma tradição de classe e de luta, democrática e socialista que sobreviverá aos desmandos e aos corruptos. Uma árvore frondosa que plantamos juntos e que não sentirá a sua falta ? é verdade, Tavares ? por que foi criada para isto: para não depender de um ou outro lutador. Mas seguirá dando frutos. E as nossas histórias ficarão para sempre gravadas nos corações dos lutadores petroleiros. A gente se vê, nas esquinas das lutas que a vida apresentar. E, como sempre, contaremos com você. Até breve.
*Tereza Ramos é Geofísica do E&P-EXP. Foi dirigente do Sindipetro-RJ na delegacia sindical de Macaé na primeira gestão cutista na década de 1990 e na gestão 2000-02 no Rio de Janeiro. Ronaldo Tedesco é Técnico de Operação na Reduc, conselheiro fiscal eleito da Petros gestão 2013/2017, diretor da Aepet e membro da oposição à atual diretoria do Sindipetro/Caxias.
Fonte: Boletim Surgente nº 1292 (30/10/2014), do Sindipetro-RJ.